Aos 26 anos, Fabiano Faria assumiu o posto de head de conteúdo em uma clínica de estética de Belo Horizonte. Apesar do dia a dia “puxado”, como ele mesmo define, ele garante não ter dificuldade em conciliar as diversas demandas do trabalho com a pós-graduação em gestão hospitalar. E tampouco esse acumulado de afazeres limita suas relações sociais e afetivas. Na verdade, para ele, essa pressão é até bem-vinda. “Eu acho que lido melhor com uma jornada cheia. Ter muitos vácuos na agenda é algo que me dispersa”, estabelece.
Há também outras coisas que dispersam Faria, como ligações telefônicas por voz. “Rapidamente me perco”, reconhece. Reuniões muito longas, sobretudo se são pouco interativas, são outro problema, da mesma maneira que aulas preenchidas por latifúndios de monólogos. Dificuldades que são decorrentes do diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), com que ele lida desde a infância. Por saber dessas limitações, Faria busca criar estratégias capazes de ajudá-lo a manter o foco. Por exemplo, por ter dificuldade de se lembrar de compromissos, ele os registra sistematicamente.
“Com essas atitudes, consigo driblar situações que poderiam virar um problema”, relata, citando que costuma avisar as pessoas de sua confiança de que se sintam à vontade para alertá-lo se, de repente, no meio de uma conversa, ele começar a agir com desatenção. “Aqueles com quem tenho uma relação mais íntima sabem da minha condição neuroatípica, mas não falo disso publicamente, pois tenho receio de como os outros vão reagir. Acho, inclusive, que, a depender do espaço, eu perderia oportunidades se falasse sobre ter TDAH”, pontua.
Esse receio manifestado por Faria é classificado pela psicóloga Bianca Lima como um exemplo típico de capacitismo – um tipo de preconceito social contra indivíduos com alguma condição atípica, reduzindo essas pessoas ao diagnóstico delas. “Um profissional com TDAH pode ser subestimado em suas funções ou ocupar cargos menos competitivos, por ser visto como menos capaz”, expõe. “É necessário entender, portanto, que as pessoas com este ou com outros transtornos mentais, assim como quaisquer outras, podem, ou melhor, devem participar ativamente na sociedade, pois não é preciso se enquadrar em padrão para que isso aconteça”, crava, ponderando ser importante que sejam feitas adaptações e que sejam reconhecidas as necessidades de cada um.
Bianca lembra que os sintomas do TDAH podem ser percebidos também na fase adulta, apesar de este ser um transtorno do desenvolvimento e, portanto, ter suas características manifestadas precocemente, já na infância.
“A dificuldade de se manter concentrado em tarefas longas e repetitivas ainda é comum na maioria dos casos. Entretanto, a hiperatividade motora, muitas vezes percebida nas fases iniciais da vida, pode dar lugar a inquietudes de pensamentos que afetam o planejamento de tarefas básicas do dia a dia e comumente levam ao esquecimento de compromissos e datas importantes”, expõe a psicóloga.
Ela acrescenta ser habitual, também, que essas pessoas tenham dificuldade de se apresentarem no horário, devido à dificuldade para estimar o tempo. “Outra característica muito apontada pelos pacientes é a procrastinação, que diz respeito à dificuldade de iniciar tarefas, mesmo que necessárias. Assim como concluí-las, uma vez que podem se sentir entediados com a rotina e buscar constantemente por novidades”, destaca a autora do livro “É TDAH? E agora?”.
“Há ainda aqueles que apresentam características mais impulsivas, que podem apresentar queixas relacionadas a gastos desnecessários, como compras indevidas, uso compulsivo de redes sociais, álcool ou mesmo comportamentos de risco”, informa Bianca, lembrando que, infelizmente, esse conjunto de dificuldades costuma afetar a vida pessoal, como os relacionamentos afetivos, a vida profissional e o convívio com os amigos. “Muitas vezes, essas pessoas são julgadas pelos colegas de trabalho, amigos e familiares, como se fossem preguiçosas, desleixadas e descompromissadas, por exemplo”, lamenta.
Tal percepção faz com que adultos com TDAH não diagnosticado sofram por enxergar essas dificuldades como parte de sua própria personalidade e que, por isso, tendem a deixar de buscar por uma avaliação diagnóstica, enfrentando, sozinhos, sérios problemas na autoestima e autoconfiança. Por essa razão, a psicóloga defende que o diagnóstico correto pode servir como um caminho para a autocompreensão, diminuindo o autojulgamento ao se descobrir que aquelas dificuldades têm um nome e tratamento.
Identificação. Bianca Lima explica que o diagnóstico do TDAH deve ser feito por profissionais capacitados que compreendem o transtorno, como psicólogos e neuropsicólogos, psiquiatras e neurologistas.
Tratamento. “A terapia cognitivo-comportamental é fundamental para ajudar a desfazer as crenças que já se instalaram quanto às suas habilidades e capacidades. Conhecer tudo sobre o transtorno é outra ferramenta para lidar melhor com ele”, indica a especialista. “Além disso, uma grande maioria desses pacientes precisará de um acompanhamento de psiquiatras ou neurologistas para intervenções medicamentosas para tratar tanto os sintomas do transtorno como possíveis comorbidades”, complementa.