Quase todo mundo que viveu sua juventude nos anos 90 tem história com fliperamas. Não é raro você ver alguém contando aos risos sobre o dia em que aconteceu alguma briga louca no lugar por causa de algum jogador ou observador mais exaltado, mas onde foram parar aquelas máquinas? O que será que fizeram com elas? Houveram 3 destinos para elas muito distintos, e conversamos com um time de especialistas para nos ajudar a contar e mostrar para você o que restou dos fliperamas.
Como vimos no artigo sobre o que realmente acabou com os fliperamas , a febre dos arcades durou muito mais tempo aqui do que em países ricos com acesso mais fácil a novas tecnologias e que podem ter preços bem mais convidativos que os nossos. Lá fora, diferente do Brasil, após a vida útil dos fliperamas um dos fenômenos que nasceram e se tornaram de certa forma comuns foram os chamados Cemitérios de Arcade. As imagens são de partir o coração.
De acordo com o Gizmodo, em 2014 uma vovó japonesa usou suas economias e comprou um prédio abandonado lá. Quando finalmente abriram o local, o que ela encontrou foi uma espécie de volta no tempo.
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Dois andares do local eram uma grande casa de fliperamas nos anos 90 que foi simplesmente fechada com tudo dentro e ninguém sabia ou lembrava disso. São 55 arcades com clássicos como Tetris, Donkey Kong e 3 edições diferentes de Street Fighter, entre várias outras máquinas.
Em Manchester, na Inglaterra, em 2016, um homem estava vendendo arcades e peças pela internet de uma forma meio estranha. Após uma rápida investigação, foi descoberto que ele tinha um galpão com quase 100 arcades pegando poeira, umidade e que seriam todos destruídos em breve por questões ambientais. O dono trocou todas as máquinas no estado em que estavam por uma simples limpeza no local.
Em 2010, a revista Time fotografou um cemitério de arcades na China. O governo, considerando os fliperamas como jogos de azar, proibiu-os e obrigou a polícia a reunir as máquinas para serem destruídas por compactadores de lixo. Esse é apenas um exemplo de como são formados os cemitérios de fliperamas.
O Arcade Blogger listou vários arcades abandonados em diversos lugares nos Estados Unidos com fotos que para alguns são angustiantes e desoladoras, mas que mostram a realidade de muitas máquinas clássicas da época.
Arcade Raids
Os cemitérios de arcades são locais onde várias máquinas ficam abandonadas, apenas vendo os anos e as estações passarem pela janela de um galpão ou loja, esperando para apodrecer. Isso acontece porque é caro e complicado descartar fliperamas pesados, feitos de materiais como ferro e madeira.
Após uma falência, geralmente falta dinheiro para gastar no descarte do que é considerado lixo. Por isso, em muitos casos, é mais cômodo abandonar tudo e seguir a vida. Além disso, no hemisfério norte, os fliperamas atualmente não valem muito dinheiro. No Japão, onde até hoje há muitas casas de fliperama, é relativamente comum encontrar lugares assim, são os chamados Haikyo, e são alvos de aventuras até hoje.
No Brasil, não há muitos cemitérios de fliperama, principalmente por ser um país com menos recursos. Muitos arcades foram desmontados para a retirada de peças como cobre e ferro, que são vendidos em ferros-velhos em troca de algum dinheiro. No entanto, há destinos muito mais nobres para os fliperamas antigos. Veja essa história incrível.
Na Inglaterra, um navio de luxo chamado The Duke of Lancaster viajou por toda a Europa entre os anos 50 e 70. Em 1983, um empresário o comprou para criar o Barco da Diversão e, assim, burlar uma lei que obrigava o comércio a fechar aos domingos. Como barco não é loja, ele era o único aberto no fim de semana, gerando muito dinheiro. No entanto, a comunidade empresarial local não gostou e, por meio de pequenas questões técnicas relacionadas a leis locais, o centro de diversões foi lacrado pela prefeitura ainda em 1983.
Em 2011, quase 30 anos depois, colecionadores descobriram pistas de que havia fliperamas no The Duke of Lancaster. Eles organizaram uma “Arcade Raid” e, após muito esforço, conseguiram entrar no local. Lá, encontraram relíquias e raridades abandonadas. Após muitas idas e vindas, praticamente todos os arcades foram salvos com o aval do dono.
No Brasil o WallGarants já tentou algumas poucas Arcade Raids e as documentou em seu canal. O Dinossauro Gamer também. É uma pena que, por ser um país de dimensões continentais e com muitas máquinas já destruídas, é difícil realizar essas caçadas. Por isso, há poucas registradas por aqui, mas elas acontecem. Mas afinal, o que são as Arcade Raids? Vamos lá.
As Arcade Raids são uma espécie de caçada gamer, comuns no YouTube, mas com uma diferença: em vez de visitar feirinhas ou lojas de usados japonesas, os colecionadores localizam Cemitérios de Fliperamas pelo mundo. Eles tentam convencer o proprietário a vender ou doar as máquinas abandonadas.
Quando o papo dá certo, vários fãs de arcades da época se reúnem, alugando vans, caminhonetes, guindastes e o que mais for preciso para resgatar os fliperamas do lixo. Posteriormente, eles restauram as máquinas, respeitando e homenageando a história dos arcades.
Colecionadores de Fliperamas
Fabio Santana é um ávido colecionador de arcades. Ele conta: “Uma das aquisições mais queridas foi a Capcom Big Blue (…) Ele trouxe essa máquina para minha casa. Eu estava trabalhando na BGS naquele ano, mas foi um negócio memorável. Não dá para esquecer o dia em que a Big Blue chegou aqui porque eu almejava demais. Ela é muito representativa daquela época e fica aqui na minha sala”, disse ele com bastante entusiasmo.
“Dá muito gosto de ter essa máquina restauradinha toda nos “trinques” como era lá nos anos 90, com algumas marcas do tempo, tá? Tem o letreiro Capcom na lateral dela tem algumas marcas. O pessoal sempre ia lá e tipo… colocava, escrevia o nome, então tem algumas dessas marcas do tempo. O marquee dela também não está zeradinho, mas eu acho que eu até prefiro assim porque carrega e faz parte da história desse item”, explicou Fabio Santana, que possui dezenas de máquinas de fliperamas espalhadas por São Paulo.
A maioria dos poucos arcades oficiais que sobreviveram até hoje estão sob os cuidados carinhosos desses entusiastas, como os proprietários do Coin OP Warehouse, nos Estados Unidos. Eles compram fliperamas antigos e os revendem para colecionadores e pessoas que querem saudar os velhos tempos. Outro exemplo muito curioso é o caso do engenheiro de mineração de petróleo Peter Davis, da Escócia.
Ele foi um dos primeiros e mais proeminentes membros de um famoso fórum da internet para colecionadores de arcades em toda a Europa. Quando ele morreu em 2015, os membros do site juntaram uma quantia significativa e procuraram a família para comprar todas as 63 máquinas que Peter possuía. Isso ajudou financeiramente a esposa, filhos e netos que haviam perdido um parente importante. Em seguida, distribuíram os fliperamas entre os usuários do fórum para que o legado continuasse e a história e a paixão do escocês fossem respeitadas. Legal, não é? Só que fazer essas coisas não é nada fácil.
Como ter uma coleção de fliperamas?
Manter um arcade com gabinete e tudo é um hobby complicado. O preço da máquina, além da manutenção e da logística para transportá-la até onde você mora, são desafios. E, principalmente, encontrar um espaço seguro para estacionar essa jóia dentro da sua casa.
É o caso do Guilherme Sarda, hoje chefe de comunidade e criador de conteúdo da Ubisoft no Brasil. Ele realizou uma Arcade Raid no Paraná com o primo em 2014 e descobriu algumas máquinas em um galpão em péssimo estado. Alguns arcades sequer estavam montados e faltavam peças. Cada um deles conseguiu comprar apenas uma, mas do modelo japonês muito raro no Brasil.
Foram vários dias de trabalho, compra de peças, tentativas e erros, especialmente por não terem muitas informações disponíveis na época. No final, eles conseguiram salvar e montar as máquinas, mantendo o estilo antigo, mas ainda as melhorando em várias aspectos. No entanto, quando Guilherme precisou se mudar, não pôde levar o arcade junto devido a questões de logística. Realmente complicado.
“O espaço é pequeno, o dinheiro é limitado, mas a paixão é muito grande, então a gente vai acumulando um monte de coisas relacionadas a essa paixão aqui. Atualmente, tenho alguns gabinetes e muitas placas de arcade porque sempre temos essa preocupação de preservar também essa história, de juntar, fazer a manutenção, testar, jogar, colocar as placas para rodar e matar saudades desse tempo tão querido dos bares e fliperamas da vida que a gente cresceu jogando”, explicou Fabio.
Ele ainda completa: “Gostaria muito e ainda sonho em ter um espaço para reunir todos esses gabinetes. Dá para ver que esse hobby sai de controle. Você precisa ter tempo e espaço. Eu não tenho nenhuma das duas coisas. Então, se você for muito hardcore e quiser arriscar entrar nesse universo do colecionismo de arcade, vá sabendo desses riscos. Mas dá muita satisfação, alegria e gosto.” revelou.
Fliperamas no Brasil
No Brasil, até pouco tempo atrás, era relativamente fácil comprar um fliperama de bar antigo. No entanto, hoje a quantidade de vendedores diminuiu muito e o preço não é convidativo para todos.
Andando por aí nas ruas do país, ainda é possível encontrar uma máquina pirata aqui ou ali, com algum KOF 2002 Magic Plus e outros games clássicos rodando em algum bar ou lanchonete. No entanto, os arcades oficiais em bom estado geralmente estão nas mãos de pessoas que cuidam bem, como a Venom Arcades em São Paulo, que possui um grande acervo com vários clássicos em seu quartel general.
É possível também encontrar algumas lojas espalhadas pelo Brasil, como a Arcademia em Curitiba, que continua jogando sua última ficha até hoje. A verdade é que, basta você buscar no Google Maps para perceber que ainda existem vários pequenos lugares com fliperamas e arcades pelo Brasil, tentando manter vivo aquele espírito dos anos 80 e 90, mesmo em menor escala. Isso é muito louvável e merece ser reconhecido, e principalmente visitado algum dia.
Cleber Marques, editor chefe da editora Warpzone, começou a colecionar fliperamas em 2015 e logo percebeu o principal problema de ter um fliperama: eles ocupam muito espaço. “Surgiu daí, dessa conversa, que a gente precisava de um clube, um clube para ter um espaço e guardar nossas máquinas. Foi então que surgiu a ideia da A Casa do Videogame. Queríamos um lugar para ter nossas máquinas, nos divertir e reunir amigos. Veja só hoje em dia? A Casa do Videogame é uma loja enorme, conhecida e reconhecida, e a ideia nasceu como um clubinho, e olha o tamanho que tomou”, disse ele.
Tem também outra questão muito interessante. Como essas máquinas não são nada baratas, o modo mais fácil de reviver e manter viva essas memórias é, com certeza, por meio de uma das ideias mais interessantes criadas após esses bons tempos.
Fliperamas consolizados
Como vimos, muitos fliperamas vão para o lixo ou cemitérios, e os que sobram ficam com quem tem espaço para guardar. Mas e quem não tem espaço e mesmo assim quer relembrar e homenagear esses bons tempos que não voltam mais? A solução encontrada foi a consolização das placas de fliperamas, ou seja, transformá-las em um videogame caseiro para poder jogar em casa. Sim, isso é possível!
Existem várias opções para isso. Por exemplo, é possível utilizar cartuchos de CPS2 da Capcom. No entanto, a consolização mais conhecida é a da MVS da SNK, que permite a inserção de vários cartuchos diferentes de jogos de Neo Geo, podendo mudar as configurações para transformar o videogame em um Neo Geo AES, porém com custo muito menor. Isso facilita e barateia a vida dos jogadores, já que um console e uma fita de AES podem facilmente ultrapassar os R$10 mil hoje em dia, enquanto que um cartucho original de MVS pode ser adquirido por um preço muito mais acessível, como os R$89 que você mencionou. É uma diferença gritante.
O dono da Games Care, Fabio Michelin, que possui uma equipe e apoia diversos jogadores de The King of Fighters e Street Fighter até hoje, era um dos jovens que frequentava fliperamas antigamente. Por isso, ele compreende a importância e a história dessas máquinas, respeitando e mantendo-as vivas, proporcionando alegria para ainda mais pessoas mesmo décadas depois. Ele é um dos mais conhecidos fabricantes de MVS consolizadas do Brasil.
Infelizmente, como não se fabricam mais arcades MVS, a criação desses consoles é algo com os dias contados. Isso, somado à quantidade de placas queimadas por amadores ou destruídas pelo tempo, ou até mesmo encontradas em ferros-velhos, torna o dono de uma versão MVS dessas um possuidor de uma peça muito cobiçada e raríssima no mundo.
“Eu já tenho mais de 40 anos e posso dizer que ainda sou apaixonado pelos arcades. Eram algo muito legal, muito mágico mesmo. Infelizmente, acho que só quem viveu essa época vai poder entender o quão especial foi. Hoje é super importante mantermos essa memória viva, manter os jogos funcionando, cuidar das máquinas e tudo mais, porque realmente significou muito para nossa vida. Foi uma parte muito especial da nossa infância”, disse Fabio Michelin dentro da Gamescare, uma espécie de hospital para videogames em São Paulo, principalmente fliperamas.
Fliperamas deixam mais do que jogos
No fim, mesmo que a explosão dos arcades tenha acabado, isso não quer dizer que a importância deles terminou. Para muita gente, os fliperamas foram muito mais do que apenas uma diversão. Para muitos, foram uma fuga da pobreza, do bullying e das preocupações e problemas do dia a dia.
Foi ali que aprendemos valores como amizade, união, superação, competitividade e muitos outros aspectos que acrescentaram coisas boas e importantes em nossas vidas desde então. Mesmo 20 ou 30 anos depois, de certa forma os fliperamas ainda estão vivos, às vezes em locais um pouco escondidos, às vezes na casa de alguns, e muitas vezes brilhando na memória e na vida de várias pessoas que foram impactadas por eles. Na época, depositávamos anseios, determinação e muita esperança em cada ficha que conseguíamos comprar.
É por isso que mesmo hoje, com outras formas de jogar aqueles jogos, precisamos sempre exaltar e homenagear a importância, a história e o legado dos fliperamas em nossas vidas e na vida de tantas pessoas. Eles eram verdadeiros formadores de caráter, e é por isso que tantos amam os fliperamas.
“Tinha chegado nesse bar para poder jogar, e uns caras estavam jogando The King of Fighters. Tinha um rapaz que estava perdendo muito e decidiu apelar e pegou o Rugal, só que a outra pessoa do lado ficava provocando toda hora. Eu fiquei esperando e esperando, até que chegou um menino na época. Ele era novo no bairro e a gente ficou conversando, pois o cara decidiu pegar o Rugal [boss final do jogo], e todo mundo sabe que pegar o Rugal é crime. E quando ele começou a jogar, nem isso fez ele ganhar”, conta Willow Saiko, antigo jogador de fliperamas, exemplificando o espírito da época.
“Enquanto isso, o outro cara continuou provocando, então do nada o que pegou o Rugal deu um soco e derrubou ele. No que partiu para cima dele, veio um monte de pessoas: uns para separar, outros pra assistir. Nisso, eu e o menino novo pegamos a ficha dos brigões e começamos a jogar no lugar deles. Hoje em dia, eu e o então menino novo somos muito amigos. Uma grande amizade que foi formada basicamente com uma porradaria que saiu do fliperama.”